“(…)sede meus imitadores como eu sou de Cristo” (1Cor 11,1).
Essa passagem da carta de São Paulo aos Coríntios nos apresenta um elemento interessante: a imitação aos seguidores de Cristo não ofusca a glória do Senhor, mas nos serve de indicativo ao próprio Deus, a Quem eles se configuraram. Os homens e mulheres de fé exemplar, que deram seu testemunho de amor a Cristo e aos irmãos são modelos a serem imitados.
O sentido da devoção aos santos e santas contém dois objetivos: a imitação das virtudes no seguimento a Cristo e a invocação das intercessões fraternas que Estes realizam em favor dos fiéis. Vemos exemplos disso na Bíblia. Em Atos dos Apóstolos a sombra de Pedro cura aqueles que entram em contato com ela (At 5,15). De modo semelhante, no Antigo Testamento, o profeta Elias realiza prodígios em virtude da sua proximidade com Deus (1Rs 17,14-16; 2Rs 2,8) e também Eliseu (2Rs 2,14; 2Rs 4,6-7; 2Rs 4,19-35).
Benigna Cardoso da Silva é também um exemplo de fé e santidade para nós, pois em vida testemunhou a Cristo, através do exercício das virtudes e princípios cristãos, da simplicidade, paciência e piedade que lhes era própria. Também ela testemunhou o temor a Deus e vivência do novo mandamento: amor ao próximo na medida em que Cristo mandou, sem a espera de nenhuma retribuição (Jo 13,34-35). Esse amor também ela manifestava a natureza a quem devotava um profundo respeito. Por conta de sua proximidade e consequente fidelidade a Cristo, preferiu, assim como os santos e mártires que a precederam, “antes morrer que pecar”.
Desse modo, a menina Benigna apresentou ao Criador a fé viva que possuía, que se manifesta nas boas obras (Tg 2,17), colocando-se a serviço de Deus e observando seus mandamentos. A amizade com seu Senhor a preenchia totalmente, a exemplo do Apóstolo São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2).
Somos todos vasos nas mãos do oleiro (Jr 18, 6). Nesse recipiente, embora frágil, trazemos um rico e precioso tesouro (2Cor 4,7) que é a graça de Deus, recebida no dia do nosso batismo.
Foi, profeticamente, essa graça que estava em posse da jovem heroína momentos antes do seu martírio. Ao sair à procura de água para poder realizar suas atividades cotidianas Benigna, já envolvida pela verdadeira fonte da vida que é Cristo, enfrentará o martírio com força sobre comum. Ao receber os golpes mortais infligidos por seu impiedoso algoz, ela mostra que fora capaz de entender que a Sagrada Escritura – a qual vemos carregada na imagem de nossa santinha exposta à veneração pública – não era um simples manual informativo, mas sim um livro Sagrado que transforma a vida, pois capaz de penetrar de forma intima a sua consciência, tornando-se lâmpada para seus pés e luz em seu caminho (Sl 119, 105). É meditando essa Palavra Santa e olhando para o exemplo do próprio Cristo que entenderemos o sentido da entrega de Benigna no seu martírio. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15).
Isto não significa que aprovamos o feminicídio ou qualquer outra violência contra a pessoa. Pelo contrário, a ordem divina é não matar. Raul, algoz da Jovem Benigna, foi muito infeliz naquela atitude bárbara e perversa, merecendo a justa e severa punição.
O martírio cristão não é sacrifico ou morte em si, mas testemunho de quem dar a vida livremente por amor a Deus e aos irmãos, pela causa do Evangelho. Benigna foi feliz porque não renunciou sua pureza, sua santidade, seu amor a Cristo que a inundava. Benigna não é bem-aventurada pela morte cruenta, bárbara, mas pela fidelidade a Cristo na morte. Ela é feliz e bem-aventurada pelo testemunho de fé, pela consciência cristã, pelo seu sim a Deus e não pela morte cruenta. Por isso ela estar na glória de Deus: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos Céus” (Mt 5, 1-12).
O que Deus revela para aqueles que o amam é coisa que os olhos jamais viram, ouvidos jamais ouviram (1Cor 2, 9). O martírio da menina Benigna, que não pode ser comparado a qualquer assassinato, uma vez que ela não morre por qualquer motivo, mas doa a sua vida em testemunho da sua fé, realiza esse ato heroico porque soube alicerçar a sua vida no sentido último de sua existência, Jesus Cristo.
Contemplamos hoje vários momentos de devoção e fé, frutos desse acontecimento: romarias, celebrações, testemunhos de graças alcançadas… Tudo isso porque alguém que nos precedeu há alguns anos deu razões de sua esperança (1Pd 3, 15) e ofertou a sua vida de maneira agápica, heroica sem esperar retribuições.
Diante dos contra valores que nos apresentam, das confusões de pensamentos e grande libertinagem, o exemplo da heroína da castidade nos ensina que o Senhor continua a fazer maravilha àqueles que o respeitam (Lc 1, 49), e que a ninguém é negada a glória da cruz. Aprendamos com a vida dos santos a buscar a fidelidade cotidiana a Cristo, para assim vivermos uma fé autêntica, capaz de gerar vida nova, enfrentando com coragem evangélica os desafios que se apresentam diante de nós.
Pe. Idemário da Silva Muniz
Pároco da Paróquia Senhora Sant’Ana, Santana do Cariri-CE